segunda-feira, 19 de maio de 2014

“OS SIGNIFICADOS DO FOGO DO VIANA: O QUE CELEBRAR E POR QUE CELEBRAR”

MANOEL NETO, historiador/IGHB/CEEC/UNEB
Ouvi faz alguns anos da professora Walnice Nogueira Galvão, autora do livro “No Calor da Hora”, obra que reporta os repórteres correspondentes de guerra que se fizeram presentes em Canudos, durante o Conflito de 1896/1897. Foi uma crítica verrina ao que ela denominou de efemeredismo, ou seja, o hábito muito comum das celebrações ocasionais em torno de um personagem ou acontecimento histórico, que passada a data redonda passam ao esquecimento, tornando-se assunto descartado para diferentes gerações. Teria razão à mestra de tantas letras e publicações sobre assuntos variados da literatura e da história brasileira?

Quero crer que a crítica tem em parte procedência. Afinal de contas a memória cultural e histórica do país se constitui não só nos registros documentais escritos, mas, no que tange a luta e a cultura popular, na cuidadosa e sofisticada transmissão oral do conhecimento que se processa na tessitura diuturna do cotidiano. È em torno da mesa, na transversalidade das cadeiras sobre calçadas, que a conversa transita e recupera o que parece esquecido, dormente, ignorado.

Poderia aqui enumerar nomes e fatos, elencá-los numa lista longa e entediante, para demonstrar que algumas efemérides ruidosamente comemoradas com pompas e circunstâncias estão solenemente esquecidas, tanto quanto seus fatos e personagens. Evidentemente que exceções existem, principalmente, no que concerne aos temas e heróis carimbados pela história oficial. Cuida-se para que não os esqueçamos, apresentando-nos a cada ano como se fosse a única e verdadeira face do país, a história que devemos trazer na ponta da língua decorada e pronta, sem contestações.

Entretanto colocados do outro lado da mesma moeda, olhando por sob os tapetes dos grandes salões, empoeirados nos fundos dos arquivos, deparamo-nos com homens e mulheres do povo, desassombrados quilombolas, camponeses sublevados, operários em barricadas, populares insultados que afrontam a tirania de patrões e do Estado, que arrostam a soberba dos poderosos. Devemos esquecê-los ou celebrá-los?
O que fazer com os exemplos dos Palmares de Zumbi, com os revoltosos da Bahia de 1798, onde e como negar Canudos, Contestado, Pau de Colher, Caldeirão Grande? É o sonho e a luta de nossa gente, nos campos e nas cidades, em todos os cantos e recantos do país. Como pensar o Brasil sem pensar nestes e em outros acontecimentos da nossa vida de povo e nação.

È dessa maneira que penso no Fogo do Viana. Exemplo pedagógico para que possamos refletir o Brasil de ontem e desafiarmos o país do presente e do porvir. Quando em 26 maio de 1893 a gente do Conselheiro enfrentou a agressão injustificável dos soldados da Polícia baiana, quando assim o fizeram nos legaram uma história dignificante para nos servir de referência.

Quem viveu e vive nos territórios sertanejos, possessões indígenas que a colonização portuguesa tingiu de sangue e cobiça, sabe muito bem a dureza de sobreviver as estiagens prolongadas, aos infortúnios das grande secas, ao poder discricionário das elites agrárias, tanto outrora quanto nos dias que correm. Renovados biologicamente os opressores se reapresentam. Velhas raposas da política, enganando a população, prometendo mundos e fundos, sonegando serviços e vendendo direitos como se tratassem de propriedades suas. Os currais do voto precisam ser arrebentados como o foram os grilhões do cativeiro.
A sociedade em que vivemos, em que pese a tecnologia, o avanço das comunicações e algumas conquistas sociais significativas, ainda é injusta e desigual. Nossos meninos e meninas, milhares deles, ainda vivem nas ruas. Bebem, fumam e se drogam. Nossos idosos, milhares deles, sofrem o descaso e o aviltamento de aposentadorias irrisórias. Alguns vivem nas sarjetas, outros morrem na indigência.

A celebração da data que assinala o FOGO DO VIANA deve sim ser motivo de orgulho e justa alegria para o povo de Maceté e de toda a região. Não enquadra no efemeredismo estéril e passivo a que se refere a professora Walnice Galvão citada no início deste texto. Ao contrário trazê-lo as ruas do povoado, levá-lo as escolas da região, discuti-los e ensiná-lo aos estudantes e aos que hoje habitam os sertões é lição de cidadania. È papo reto. Tá na ordem do dia!


Um comentário:

marcossertanio disse...

BOM A TODOS E A TODAS QUE FAZEM O BLOG MACETÉ. HÁ 20 ANOS VENHO , TRABALHANDO NA ESTEIRA DO QUE AFIRMA O PROF.MANOEL NETO. LENDO, DISCUTINDO OS SERTÕES, EXIBINDO FILMES TEMÁTICOS, VIAJANDO AOS PALCOS DA GUERRA, ENTRE OUTRAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS. ATUO NO ENSINO MÉDIO, SEC-BA, NAS DISCIPLINAS REDAÇÃO E LINGUA PORTUGUESA, MUNICÍPIO DE FÁTIMA, NO ENTORNO DOS PALCOS DO FENÔMENO SOCIAL, CONHECIDO POR GUERRA DE CANUDOS. UM ABRAÇO, MARCOS JOSÉ DE SOUZA,