MANOEL NETO, historiador/IGHB/CEEC/UNEB |
Ouvi faz alguns anos da
professora Walnice Nogueira Galvão, autora do livro “No Calor da Hora”, obra
que reporta os repórteres correspondentes de guerra que se fizeram presentes em
Canudos, durante o Conflito de 1896/1897. Foi uma crítica verrina ao que ela
denominou de efemeredismo, ou seja, o
hábito muito comum das celebrações ocasionais em torno de um personagem ou
acontecimento histórico, que passada a data redonda passam ao esquecimento, tornando-se
assunto descartado para diferentes gerações. Teria razão à mestra de tantas
letras e publicações sobre assuntos variados da literatura e da história
brasileira?
Quero crer que a
crítica tem em parte procedência. Afinal de contas a memória cultural e
histórica do país se constitui não só nos registros documentais escritos, mas,
no que tange a luta e a cultura popular, na cuidadosa e sofisticada transmissão
oral do conhecimento que se processa na tessitura diuturna do cotidiano. È em
torno da mesa, na transversalidade das cadeiras sobre calçadas, que a conversa
transita e recupera o que parece esquecido, dormente, ignorado.
Poderia aqui enumerar
nomes e fatos, elencá-los numa lista longa e entediante, para demonstrar que
algumas efemérides ruidosamente comemoradas com pompas e circunstâncias estão
solenemente esquecidas, tanto quanto seus fatos e personagens. Evidentemente
que exceções existem, principalmente, no que concerne aos temas e heróis
carimbados pela história oficial. Cuida-se para que não os esqueçamos,
apresentando-nos a cada ano como se fosse a única e verdadeira face do país, a
história que devemos trazer na ponta da língua decorada e pronta, sem
contestações.
Entretanto colocados do
outro lado da mesma moeda, olhando por sob os tapetes dos grandes salões,
empoeirados nos fundos dos arquivos, deparamo-nos com homens e mulheres do
povo, desassombrados quilombolas, camponeses sublevados, operários em
barricadas, populares insultados que afrontam a tirania de patrões e do Estado,
que arrostam a soberba dos poderosos. Devemos esquecê-los ou celebrá-los?
O que fazer com os
exemplos dos Palmares de Zumbi, com os revoltosos da Bahia de 1798, onde e como
negar Canudos, Contestado, Pau de Colher, Caldeirão Grande? É o sonho e a luta
de nossa gente, nos campos e nas cidades, em todos os cantos e recantos do
país. Como pensar o Brasil sem pensar nestes e em outros acontecimentos da
nossa vida de povo e nação.
È dessa maneira que
penso no Fogo do Viana. Exemplo
pedagógico para que possamos refletir o Brasil de ontem e desafiarmos o país do
presente e do porvir. Quando em 26 maio de 1893 a gente do Conselheiro
enfrentou a agressão injustificável dos soldados da Polícia baiana, quando
assim o fizeram nos legaram uma história dignificante para nos servir de
referência.
Quem viveu e vive nos
territórios sertanejos, possessões indígenas que a colonização portuguesa
tingiu de sangue e cobiça, sabe muito bem a dureza de sobreviver as estiagens
prolongadas, aos infortúnios das grande secas, ao poder discricionário das
elites agrárias, tanto outrora quanto nos dias que correm. Renovados biologicamente
os opressores se reapresentam. Velhas raposas da política, enganando a
população, prometendo mundos e fundos, sonegando serviços e vendendo direitos
como se tratassem de propriedades suas. Os currais do voto precisam ser
arrebentados como o foram os grilhões do cativeiro.
A sociedade em que
vivemos, em que pese a tecnologia, o avanço das comunicações e algumas
conquistas sociais significativas, ainda é injusta e desigual. Nossos meninos e
meninas, milhares deles, ainda vivem nas ruas. Bebem, fumam e se drogam. Nossos
idosos, milhares deles, sofrem o descaso e o aviltamento de aposentadorias
irrisórias. Alguns vivem nas sarjetas, outros morrem na indigência.
A celebração da data
que assinala o FOGO DO VIANA deve
sim ser motivo de orgulho e justa alegria para o povo de Maceté e de toda a
região. Não enquadra no efemeredismo estéril e passivo a que se refere a
professora Walnice Galvão citada no início deste texto. Ao contrário trazê-lo
as ruas do povoado, levá-lo as escolas da região, discuti-los e ensiná-lo aos
estudantes e aos que hoje habitam os sertões é lição de cidadania. È papo reto.
Tá na ordem do dia!
Um comentário:
BOM A TODOS E A TODAS QUE FAZEM O BLOG MACETÉ. HÁ 20 ANOS VENHO , TRABALHANDO NA ESTEIRA DO QUE AFIRMA O PROF.MANOEL NETO. LENDO, DISCUTINDO OS SERTÕES, EXIBINDO FILMES TEMÁTICOS, VIAJANDO AOS PALCOS DA GUERRA, ENTRE OUTRAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS. ATUO NO ENSINO MÉDIO, SEC-BA, NAS DISCIPLINAS REDAÇÃO E LINGUA PORTUGUESA, MUNICÍPIO DE FÁTIMA, NO ENTORNO DOS PALCOS DO FENÔMENO SOCIAL, CONHECIDO POR GUERRA DE CANUDOS. UM ABRAÇO, MARCOS JOSÉ DE SOUZA,
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