sexta-feira, 29 de novembro de 2013

CANUDOS E A LUTA PELA TERRA

Por José Gonçalves

 Escrevendo sobre a guerra de Canudos, ainda no calor da hora, o escritor Afonso Arinos de Mello Franco afirmava ter tido aquele episódio o mérito de denunciar, perante as instâncias do poder, “o desprezo ou o olvido a que fora relegada” a região sertaneja. Tinha razão, o autor de "Os jagunços". Todavia, Canudos foi mais além: ele pôs em evidência a própria causa da miséria e do atraso.

Ao lado de tantos outros movimentos camponeses que fizeram história no Brasil, Canudos nada mais foi do que consequência de um problema cujas origens remontam aos tempos da colonização: o monopólio da terra – legado que chega aos nossos dias, projetando o Brasil no ranking mundial dos países com maior concentração fundiária.

É óbvio que o Brasil de hoje é diferente do Brasil de outros tempos. Todavia, no que toca ao sistema fundiário, pouca coisa avançou. O latifúndio resistiu a todas as grandes transformações porque passou o país durante cinco séculos, e de todas elas saiu incólume. Neste tópico, o Brasil é um país extremamente atrasado, conservador e injusto.

Como é possível pensar em justiça social e ao mesmo tempo conviver com um sistema fundiário que exclui os cidadãos e cidadãs, condenando-os à miséria, quando não à própria morte?! É inconcebível que 12 milhões de camponeses (em 1997), não tenham de onde tirar o pão de cada dia, enquanto 166 milhões de hectares de terra fértil (o que corresponde três vezes à França), “repousam em paz” sob a custódia do arame farpado.

No momento em que se rememora o centenário do massacre do Belo Monte (1997), a situação do campo não é muito diferente daquela em que se deu o movimento liderado por Antônio Conselheiro: monopólio, exploração, exclusão, conflito, etc. Fundamentalmente, Canudos foi uma reação do sertanejo (poderia ter sido do sulista), a tal estado de coisas. Ou seja, foi um movimento em função da terra; movimento este, por sinal, exitoso.

Em que pese o curto espaço de tempo (apenas quatro anos) e a localização em uma das regiões mais áridas do sertão baiano, Canudos não demorou a conquistar sua autonomia econômica. O jornalista Manoel Benício, que ali esteve durante a guerra, disse haver na referida povoação “plantações de diversos legumes, milho, feijão, favas, batatas, melancias, melões, jeremuns, cana-de-açúcar (...). Havia, ainda, “sítios, pomares, fazendolas de criação de bode, animais vacuns e cavalares...” Outro testemunho digno de crédito vem do Dr. Nina Rodrigues, o mesmo que examinou o crânio do peregrino cearense: “em curto prazo, Antônio Conselheiro transformou Canudos de estância deserta de abandonada em uma vila florescente e rica”.

Canudos passava a representar uma forte ameaça ao status quo do latifúndio brasileiro. E essa ameaça tinha que ser debelada. E o foi. Em 1896, com o apoio dos fazendeiros e da cúpula da igreja católica, o governo da república declarou guerra à comunidade canudense, resultando na chacina que vitimou milhares de camponeses.

Cem anos depois, eis de novo as ocupações; os pequenos “canudos” aqui e acolá; os camponeses novamente em luta pela terra. Por sua parte, os senhores da terra, agora vestindo a camisa multicor do neoliberalismo, continuam a reagir com não menos ferocidade. O método é sempre o mesmo. Que o diga a memória dos mortos de Corumbiara, Eldorado dos Carajás, e tantos outros “eldorados” da morte disseminados por este país “abençoado por Deus”.

A luta pela terra continua; e, enquanto não desmoronar o último latifúndio, ela não cessará. É o sistema que assim o quer.

Por José Gonçalves do Nascimento
jgoncalvesnascimento@hotma
il.com

*Artigo publicado, originalmente, no jornal A Tarde, de Salvador, edição do dia 3 de abril de 1997 e no jornal GAC de Monte Santo, edição de agosto de 1997

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